Ioga contra o medo

Preconceitos ainda resistem a essa prática com ares de religião

Cercada por dezenas de barracos, uma sala se transforma em um espaço de silêncio e concentração uma vez por semana. Aos poucos, é ocupada por pessoas que deixam suas casas para terem momentos de tranquilidade em meio ao frenético vaivém de uma das maiores comunidades do Rio.

"Aqui, na Maré, andamos sempre com medo. Nunca sabemos o que vai acontecer. A ioga tira minha tensão e me deixa mais consciente, me ensina a lidar melhor com o dia a dia", conta o estudante Lúcio Marques, de 19 anos.

O jovem é um dos cerca de 70 alunos do projeto Ioga na Maré, oferecido desde agosto de 2015 em quatro pontos do complexo de favelas. A ideia surgiu do desejo da professora Ana Olívia Cardoso de difundir os benefícios da prática a quem não pode arcar com o preço das aulas de diversos estúdios da cidade.

"O Complexo da Maré tem um ambiente de violência, uma história de violação dos direitos humanos. A ioga ajuda as pessoas a viverem melhor no universo em que estão inseridas. Um dos conceitos da prática é aceitar as circunstâncias, estar bem com você mesmo, mas sem ficar acomodado. Quando a pessoa está equilibrada, consegue superar as dificuldades do dia a dia", diz Ana Olívia.

A estudante de Letras da UFRJ Camila Mendes, de 24 anos, caminha meia hora da comunidade Vila do Pinheiro, onde mora, até a sede da ONG Redes da Maré, na favela Nova Holanda, um dos lugares que abrigam o projeto.

"Aqui, a ioga é um movimento de resistência. Aprendi que não podemos parar nossas vidas. Hoje, sou mais calma e penso antes de agir", afirma Camila.

O grupo conta com alunos de todas as idades. Eva tem apenas 7 meses e acompanha a mãe, a oceanógrafa Tatiane Ferreira, de 38 anos, em todas as aulas.

"Praticava quando estava grávida e agora trago ela comigo. Quero que minha filha fique calma e tenha equilíbrio quando crescer. Eva não vai deixar de conhecer a realidade da Maré, mas cabe a mim mostrar a ela outros caminhos", diz Tatiane.

Além da violência que, vez ou outra, atrapalha o andamento das aulas, o Ioga na Maré já enfrentou dificuldades por conta de preconceito. "Muitas pessoas confundem ioga com religiosidade. Perdi uma aluna que, mesmo adorando as aulas, foi obrigada a parar porque a prática não é aceita em sua igreja", conta Ana Olívia.

O trabalho de Ana Olívia é voluntário e o Ioga na Maré não conta com recursos próprios. Mesmo assim, o projeto engrenou: já teve até fim de semana de retiro para meditação na Região Serrana. A maior parte dos custos foi bancada com a venda de almofadas terapêuticas, uma iniciativa de um grupo de alunas.

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