Favela Contra o Aquecimento Global

Projeto quer fazer topografia do Brasil para combater mudanças climáticas

O designer Pedro Henrique de Cristo, 33 anos, criou em 2012 um projeto para levar design, arquitetura e políticas públicas para a favela do Vidigal, no Rio de Janeiro. Essa foi a forma que ele encontrou para aplicar sua tese de mestrado em políticas públicas desenvolvida por dois anos na aclamada universidade de Harvard, nos Estados Unidos. O projeto Brazil School for Year 2030 quer mobilizar pessoas, causar impactos sociais, econômicos e ambientais usando as escolas de favelas pacificadas como locais de integração social com a comunidade, além das salas de aula. A tese virou aula na renomada universidade estadunidense.

 
Engana-se quem pensa, no entanto, que a graduação de Pedro foi a arquitetura ou algo relacionado. Ele cursou administração pública e privada na Universidade Federal da Paraíba. O amor pelas construções surgiu ainda na infância, quando começou a ajudar nos projetos no escritório dos pais arquitetos em João Pessoa, transferindo as plantas das casas para o papel manteiga.
 
Os primeiros projetos de Pedro relacionando arquitetura, inovação tecnológica e design multifuncional a ações sociais vieram logo após o fim do curso na Paraíba. Ele trabalhou na prefeitura de João Pessoa, realizando ações governamentais ligadas à utilização de espaços públicos. Com o feito, recebeu um prêmio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento por criar uma proposta sustentável para usar melhor água e energia, e outras iniciativas. Mas o melhor ainda estava por vir.
 
Antes de Harvard, Pedro nunca tinha vivido em comunidades. Encarou a ideia ao voltar dos Estados Unidos. “Não faria sentido ter estudado e não tentar aplicar na vida real”, conta. Com as diretrizes da tese definidas, foi viver no Vidigal, onde ficou por cinco anos com seu estúdio +D. Mas não foi para lá erguer habitações. “O que melhor funciona na favela são as casas. O que não presta é o esgoto, a rua, o escoamento da água, energia, urbanismo em geral”, aponta o profissional.
 
Foram várias frentes de trabalho propostas para a comunidade carioca. A primeira foi a reforma de uma escola em um terreno plano de 112 m² , algo raro em espaços acidentados como os encontrados lá. Na estrutura, usaram pneus reciclados para erguer paredes que, entre outras funções, ajudam a segurar as encostas do morro, evitando deslizamentos. “Para isso, calculei no computador as propriedades do material, como a flexibilidade dele. Depois, erguemos com as próprias mãos”. Esse “nós” envolve a comunidade, mais especificamente nove moradores que já trabalhavam ou tinham experiência com construção. E eles eram contratados, e não apenas voluntários, gerando emprego e renda no Vidigal. Nas escolas, o horário de funcionamento será ampliado, bem como as atividades extra-curriculares, como horta comunitária, esportes e oficinas capacitadoras.
 
Todas as plantas seguem um estilo arquitetônico batizado por Pedro como “essencialista”. Ele explica que é um desdobramento do minimalismo, mas, nesse caso, tudo tem uma função, porque o espaço é limitado. “É preciso que o projeto seja bonito para que as pessoas se apropriem do lugar e funcional para fazer sentido".
 
Em 2012, ele criou o Parque Sitiê, de 2,8 hectares no topo do Vidigal, onde antes havia muito lixo acumulado. O destaque é que o espaço foi criado e é gerenciado pelos próprios moradores. “Até hoje ninguém integrou favelas. É uma das coisas mais difíceis de fazer, sem depender de governo e com total envolvimento da população. Se a gente não cuidar disso, daqui a pouco será um grande problema”, alerta.
 
Além disso, pela primeira vez desenhou em 3D toda a topografia do morro para identificar antecipadamente os prováveis efeitos das mudanças climáticas, que atingem principalmente a população pobre da África, América Latina e América Central. O tema é urgente: segundo a Organização das Nações Unidas, uma em cada sete pessoas do mundo vive em favelas. A estatística será uma em cada três até 2050.
 
Para mapear o terreno, ele usou uma nanotecnologia desenvolvida com a Autodesk que foi lançada nas privadas das casas. Após a descarga, o pequeno aparelho seguiu o caminho das tubulações e, com ele, Pedro descobriu até onde vai os efluentes das moradias. O resultado vai ajudar a dar um melhor aproveitamento da água para tratá-la e reutilizá-la em hortas e vasos sanitários da comunidade.
 
Sua tese de mestrado elevou sua carreira a outros patamares. Ganhou o Seed Design Awards, premiação estadunidense que escolhe os melhores trabalhos de arquitetura, design, urbanismo e sustentabilidade, se aproximou de feras do urbanismo com foco no social, fez projetos no Haiti, trabalhou com a Pastoral da Terra, e mais instituições. Também virou professor em Harvard e na Cidade do Cabo, levando o exemplo brasileiro além das fronteiras do país.
 
Agora, o plano é fazer o mesmo mapeamento no resto do Brasil. Segundo ele, ao entender o terreno do país, mapear encostas e outras áreas, é possível traçar estratégias para conter erosões, dar um melhor uso aos recursos hídricos, criar soluções para contornar a seca, entre outras ações. E tem tudo para dar certo: Pedro tem reconhecimento internacional e é apadrinhado por feras da arquitetura social. Se antes ele era chamado de doido pelos amigos que duvidavam de suas ideias revolucionárias, agora ele se intitula um “excêntrico visionário” que está dando os próximos passos para um Brasil melhor e mais sustentável.

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